A saga do “Diário do Norte do Paraná” na Ditadura Militar

Laércio Souto Maior
3 min readNov 26, 2017

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Redação do “Diário do Norte do Paraná”. Na fotografia avistamos o jornalista Edilson Pereira dos Santos, e o redator-chefe Laércio Souto Maior. Foto: Sergio Jacques.

É quase impossível fazer um jornal independente, de oposição autêntica no interior do Brasil, em qualquer época, em qualquer tempo. Os poucos que ousaram tiveram vida curta. Forças terríveis se levantaram contra eles com unhas e dentes e não descansaram um minuto até derrotarem os libertários que tiveram a coragem de enfrentá-las. Se na normalidade democrática já é difícil manter circulando jornais de oposição, avaliem em plena Ditadura Militar fascista sob a égide do AI-5. Era uma temeridade.

O desafio foi aceito pelo Ramires Moacir Pozza, jovem empresário que gerenciava as empresas da família na década de 1970. Com 17 anos, era dirigente estadual do Movimento Estudantil Livre (MEL) e militava como comandante do setor de inteligência da “Organização”, movimento clandestino que formava e estruturava em Maringá e na região Noroeste do Estado do Paraná, quadros revolucionários para apoiar o sonhado levante popular liderado pelo governador Leonel Brizola na sua tentativa de recuperar o poder para as forças democráticas alijadas do poder.

Quando a família Pozza comprou 50% das ações tornando-se sócia majoritária do grande jornal do Norte do Paraná (o jornalista Franklin Vieira da Silva e Edson Castilho, detinham cada um 25% das ações do “Diário do Norte do Paraná”, portanto eram sócios minoritários sob o mando dos Pozzas), o Ramires me convidou para assumir o comando como redator-chefe a partir do mês de janeiro de 1977. Aceitei sob as seguintes condições: carta branca em relação aos donos do jornal (ele, Franklin Vieira da Silva e Edson Castilho) para imprimir uma linha de oposição ao poder a nível municipal, estadual e federal e liberdade para montar uma nova equipe composta pelos jornalistas José Carlos Struett, Edilson Pereira dos Santos, Manoel Messias Mendes, Ernesto Luiz Piancó Morato, Anésio Folleis Filho, Roberto de Freitas Pardal, Olício Profeta, Valdir Pinheiro, Luiz Carlos Rizzo, Claudio Folleiss, Pedro Chagas Neto e Angelo Rigon. A partir da minha ascensão ao cargo, a redação do “Diário do Norte do Paraná” tornou-se um território livre, quase um coletivo libertário, codirigido pelo redator-chefe, repórteres, diagramadores, fotógrafos e chargista.

Foram oito meses de luta e resistência contra tudo de errado que acontecia na cidade, no estado e no país. Nada nos atemorizava. Com a lança sempre empunhada, investíamos contra o regime militar; contra os empresários que poluíam a cidade com seus frigoríficos e fábricas de ossos que infestavam os ares de Maringá com uma fedentina horrível; contra os embusteiros da religião (TFP); contra órgãos públicos (BNH) que não respeitavam os contratos com os proprietários; contra os maus vereadores da nossa Câmara Legislativa; contra os erros e maus feitos da Prefeitura; bicheiros; policiais torturadores, etc. Raro era o dia em que o jornal não era visitado por algum poderoso contrariado em seus interesses pela linha imprimida pelo “Diário do Norte do Paraná”: independente, democrática, oposicionista e libertária.

Enquanto durou o período ora descrito neste artigo, as denúncias e críticas radicais foram crescendo numa cadência nunca vista na imprensa da Cidade Canção até o momento em que o governador Jaime Canet Junior em comum acordo com o prefeito João Paulino Vieira Filho deram um basta definitivo ao radicalismo oposicionista praticado pelos jovens mosqueteiros apelidados de “vermelhos” que formavam a equipe indômita de jornalistas que infernizava a vida dos empresários e políticos fascistas maringaenses, forçando o patriarca da família Pozza, Provino Pozza, a vender sua parte (majoritária) ao jornalista Frank Silva.

Com o passar do tempo, analisando sem paixão a experiência do jornalismo libertário praticado naquele período perigoso em que o Brasil vivia sob a égide da Ditadura Militar, pode-se chegar ou não, a seguinte conclusão: valeu a pena tanta coragem e ousadia para no final jogar nos braços dos conservadores e da direita da cidade de Maringá um dos mais importantes jornal da imprensa do Estado do Paraná?

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Laércio Souto Maior
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Written by Laércio Souto Maior

Escritor, historiador e jornalista pernambucano, radicado em Curitiba-PR.

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